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Textos básicos



                Pensar sobre este assunto me trouxe à lembrança Santo Agostinho: “Se não me perguntam o que é o tempo, eu sei. Se me perguntam o que é, então não sei”.1 Sinto o mesmo ao tratar da avaliação dos textos dos alunos...
                Por que me atrevo? De um lado porque o tema me interessa profundamente e de outro porque me sinto encorajada desde que Clarice Lispector escreveu gostar muito daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.

Tentando um pequeno voo
                Tudo começa antes de ler, no momento em que tocamos os textos. Há um ritual em tudo isso. Nossas mãos podem se mover com delicadeza afetiva, quando reencontram um conhecido querido, ou com curiosidade ávida, quando se deparam com quem ainda não foram apresentadas.
                Em ambos os casos, o que está em jogo é o respeito pela autoria, o reconhecimento do lugar do autor que, por definição, é “aquele de que alguém ou algo nasce”.2 Quem escreve sabe o quanto é difícil parir um texto. Neste sentido, dou as mãos ao jornalista Armando Nogueira que disse certa vez: “Eu não gosto de escrever, gosto de ter escrito3.
                Pois bem, não basta engravidar de palavras, é preciso saber costurar, bordar, cortar, embalar, acarinhar. Tanto é que são comuns partos prematuros e até abortos. A escritora Lygia Fagundes Telles conta seu processo: “Ler, ler, ler. Escrever, escrever, escrever e rasgar muito. Eu rasguei muito4.
Se assim é com escritores profissionais, o que dizer os autores em formação, ou seja, dos alunos? Em primeiro lugar, que são autores! E mesmo se parirem algo aparentemente sem vida, é importante nunca perdermos de vista que “as cinzas guardam as últimas confidências do fogo5.
                Mas o que será que decide se há ou não vida pulsando em um texto? O tempo, os prêmios literários, as editoras, os leitores, os críticos, a propaganda, a qualidade do texto em si, a fama do escritor?
                Não sei responder como se dá no mundo, mas no caso da Olimpíada, toda uma engenharia foi pensada para cercar cuidadosamente a questão. Essa engenharia se sustenta em critérios de avaliação comuns a todas as instâncias avaliadoras.

Mãos que tocam os textos

PROFESSOR
                A primeira avaliação acontece na sala de aula. O professor é a pessoa que sabe sobre o processo de trabalho vivido e sobre as diferentes situações de produção** pelas quais passaram os alunos. É ele, portanto, quem mais tem condições e elementos para conversar com os autores sobre os textos produzidos.
                **O encaminhamento da sequência didática e seu enlace com as aprendizagens dos alunos pautam diferentes situações de produção. Se, por exemplo, pouca chance é dada aos alunos para que aprendam a olhar um texto escrito por eles próprios com a distância necessária, dificilmente conseguirão avaliar com autonomia se o que escreveram cumpre o objetivo proposto, se o modo como escreveram captura o leitor, se a organização do texto está bem construída, se as características do gênero foram respeitadas etc.
                A conversa com os alunos pede preparação. Por isso, o professor precisa estudar cada um dos textos produzidos, fazer anotações, mapear a lápis as produções. Este estudo é, na verdade, uma leitura em diferentes camadas.
                Na primeira camada, o professor entra em contato com o conteúdo geral do texto, isto é, busca compreender o que o autor quis dizer. Este é o momento de o professor conversar com seus botões: o que ele quis dizer está dito? Se sim, por quê? Se não, o que atravancou o caminho - excessos, ausências, problemas na sequência?
                Para responder a essas questões, o professor vai para a segunda camada de leitura. Nela já é possível investigar a relação entre o todo e suas partes, deter-se em determinados trechos, descobrir como certas referências estudadas foram transpostas para os textos. É o momento em que se amplia a noção do que foi dito, pois entra em cena uma maior percepção sobre o como foi dito.
                Na terceira camada, com o olhar bem mais apurado, o professor pode fazer um raio X do texto porque já sabe apontar ideias interessantes, momentos confusos, belas passagens, necessidade de reconstrução de trechos, níveis de proximidade e distância com relação ao gênero e incorreções.
                O reconhecimento da existência de valiosas pedras que, no entanto, ainda pedem lapidação, anuncia dois gestos: aceitação e intervenção.
                A aceitação se refere ao convite feito por Saramago – “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara6. A intervenção diz respeito ao momento de compartilhar com os autores as impressões de leitor mais experiente e, portanto, capaz de fazer apontamentos: reconhecer marcas de autoria, avaliar a adequação do texto ao gênero e à temática e observar as convenções da escrita.
                Textos revisados e finalizados, é chegada a hora da avaliação final do professor, uma vez que é ele quem selecionará um dentre tantos para encaminhar à próxima instância avaliadora. Para realizar essa tarefa, recomenda-se que se baseie na Tabela de critérios. Além de entrar em cena no momento da seleção final, a Tabela oferece ao professor uma possibilidade que nenhuma outra instância avaliadora tem: a de apurar o olhar sobre os textos dos alunos para planejar intervenções. Para entender melhor essa ideia, basta pensar que as diferentes camadas de leitura sobre as quais conversamos anteriormente são a tradução da Tabela em versão expandida.
                Ao analisar e tomar consciência das diferentes naturezas de intervenção necessárias a seu grupo de alunos, o professor ainda tem a chance de ver revelado o resultado do caminho percorrido. Com isso, poderá replanejar rotas e avançar cada vez mais. O princípio aqui é o mesmo do marinheiro: depois da primeira viagem, é possível fazer melhores antecipações sobre as próximas.

CD-ROM : uma ferramenta para os avaliadores

                O mesmo cuidado que a Olimpíada tem em orientar o trabalho dos professores aparece quando o assunto é avaliação. Por isso, os membros das Comissões Julgadoras Municipais e Estaduais são convidados a participar de cursos virtuais, um em cada gênero (Poema, Memórias literárias, Artigo de opinião e Crônica). Os cursos apresentam orientações e atividades que buscam ajudá-los na realização de seu trabalho. Com duração aproximada de seis horas cada um, os cursos são elaborados a partir das lições aprendidas ao longo das várias edições do concurso. São, portanto, uma síntese das principais contribuições (dúvidas, questões, descobertas) de vários avaliadores de todo o país. Suas vozes podem ser ouvidas nas conversas entre as personagens fictícias (professores, escritores, jornalistas etc.).
                Mesmo sendo indicados pelo seu conhecimento e sensibilidade, os avaliadores têm uma atribuição cuja responsabilidade pede apoio. Afinal, não é fácil selecionar, dentre os vários textos, aqueles que se destacam por suas qualidades e que merecerem ser premiados.
                Além dos critérios de avaliação estabelecidos pela Olimpíada, é preciso que os avaliadores também valorizem cada produção e levem em conta a idade e a escolarização dos alunos participantes, os tais autores em formação de que falamos no começo desta conversa.
                Assim, o conteúdo do CD-Rom é um convite ao exercício da leitura em camadas e à reflexão a partir de situações-problema reais. A ideia é que ao longo das atividades de análise de textos produzidos em anos anteriores, os avaliadores possam ir colecionando parâmetros para enfrentar com mais segurança a análise dos novos textos.

Palavras finais
                Comecei esta conversa com uma pergunta – O que está em jogo quando avaliamos os textos dos alunos? – confesso não saber se dei conta de respondê-la satisfatoriamente. Mas sei, depois de todo o esforço, que o jogo tem nome e supõe a presença de dois participantes: de um lado autores e, de outro, leitores, ambos encarando a montagem de dois difíceis Quebra-cabeças – a construção de um texto e a avaliação da produção textual.
                Por motivos óbvios, solidarizo-me neste momento com os autores e deixo para eles, junto com votos de boa-sorte, os conselhos de um grande mestre:
                (...) procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Evite de início as formas usuais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. (...) relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza – relate tudo isso com íntima e humilde sinceridade. Utilize, para se exprimir, as coisas de seu ambiente, as imagens de seus sonhos e os objetos de sua lembrança. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. (...) Se depois dessa volta para dentro, desse ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons, (...) pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida.7

1 Confissões de Santo Agostinho, XI, 14, in BORGES, Jorge Luis. Esse ofício do verso. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
2 Definição que está no Dicionário da Língua Portuguesa, organizado por Hildebrando de Lima, com revisão de Manuel Bandeira e José Baptista da Luz. São Paulo Editora S.A., 10ª edição.
3 O livro entre aspas: “o que se diz do que se lê”: frases para escritores, leitores, editores, livreiros e demais insensatos. Carlos Carrenho e Rodrigo Diogo Magno (organizadores). Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005 il.
4 O livro entre aspas: “o que se diz do que se lê”: frases para escritores, leitores, editores, livreiros e demais insensatos. Carlos Carrenho e Rodrigo Diogo Magno (organizadores). Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005 il.
5 Epígrafe de Ramón Gómez de La Serna em Brasil, 1989. A chama de uma vela. Rio de Janeiro, Bertrand. Brasi, 1989.
6 (epígrafe do Livro dos Conselhos). SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
7 RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. São Paulo: Globo, 2001.

Cris Zelmanovits é pedagoga pela Universidade de São Paulo (USP), com especialização em Psicologia e em Arte (Instituto Lorenzo di Médici, Firenze, Itália). Integra a equipe de assessoria da coordenação do Cenpec. Consultora de projetos de literatura em redes de ensino, museus e outras instituições. Coordenadora de programas de formação de professores e gestores escolares para o trabalho com língua portuguesa junto a crianças e adolescente



Profª. Drª. Simone de Jesus Padilha
Universidade Federal de Mato Grosso

                A Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro está perfeitamente adequada ao que tem sido sugerido desde a década de 90, por meio dos documentos oficiais, para o ensino da língua materna em nosso país: um trabalho voltado para o eixo dos usos da linguagem, que toma o texto como unidade e os gêneros como objetos de ensino. Isso constitui aquilo que o professor Egon Rangel chama de uma virada pragmática. Para outros teóricos trata-se de uma nova abordagem ou uma mudança paradigmática. É interessante pensar que o professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, Luli Radfaher diria, brincando, que paradigma, na verdade, constitui uma “paradinha”. E qual é a paradinha da vez, no ensino de Língua Portuguesa? E por que se faz necessária?
                Desde os anos 80, mais precisamente a partir de 1984, com a publicação do clássico O texto na sala de aula, do professor João Wanderlei Geraldi, linguista renomado da UNICAMP, é que as questões que norteiam o ensino de língua portuguesa tem se destacado. E isso ocorre não apenas na academia, mas nos cursos de formação de professores de todo o país. E Geraldi se perguntava (creio que ainda se questiona), como é que passamos onze anos na escola, no mínimo, estudando a língua portuguesa praticamente todos os dias, e saímos sem conhecê-la. Ou melhor, como é que a estudamos na escola por tanto tempo e não somos capazes de sair dela como leitores críticos e produtores efetivos de textos?
                Numa entrevista à revista Na Ponta do Lápis, o professor da Universidade de Genebra, Joaquim Dolz diz uma frase que parece responder, um pouco, a isso: de que adianta conhecer o código, se não entende o texto? E eu complemento: se não é capaz de redigir um texto de sua AUTORIA. E compreende-se, aqui, autoria em letras maiúsculas, como o exercício de tornar-se autor, de ter sua própria voz, de ser produtor independente. Ou seja, podemos dizer que nosso ensino esteve e ainda está muito focado na aquisição do código e na aquisição da nomenclatura sobre ele, isto é, no ensino da metalinguagem.
                Dos anos 80 para cá, quando esta discussão se tornou mais premente – e ainda é urgente, pois a situação não mudou – nossos alunos continuam fracassando em Língua Portuguesa na escola, haja vista o resultado das avaliações oficiais nacionais e internacionais, com todas as ressalvas que possamos fazer a elas: o brasileiro não é capaz de ler um texto, de interpretá-lo além da estratégia básica de localização de informações e produção de inferências simples.
                Neste contexto, e tendo em vista outros processos de mudanças das políticas públicas voltadas à educação, como a própria LDB e a reestruturação de nossos sistemas de ensino, é que surgiram propostas mais efetivas de mudanças nas práticas de ensino-aprendizagem da língua materna na escola. Os PCN, e destaco aqui principalmente o documento de terceiro e quarto ciclos, são claros em propor um ensino pautado numa nova concepção de linguagem (vista como interação, numa nova abordagem). Trata-se do ensino dos gêneros como conteúdos – como objetos de estudo das aulas – trazendo à baila o pensamento de Mikhail Bakhtin numa perspectiva sócio-histórica de aprendizagem, que leva em conta, sobretudo, o pensamento de Vygotsky, ao salientar a importância de se observar as necessidades e possibilidades de aprendizagem do aluno.
                É com igual coerência que o programa Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro vai estruturar-se teórica e metodologicamente, considerando os usos da linguagem em diferentes esferas da atividade humana e que se configuram em usos recorrentes e próprios, se estabilizando naquilo que vai se denominar gênero de texto, ou gênero textual. Para os mais puristas estudiosos de Bakhtin, em gêneros do discurso. Ou seja, da conversa íntima, familiar e do bate-papo de bar até a notícia do jornal, o romance, o poema, a ata, a procuração, a dissertação de mestrado, enfim, convivemos com diferentes práticas sociais que se dão em diferentes práticas de linguagem e que se nos apresentam em diferentes gêneros. A noção de gênero estrutura o material da Olimpíada, pois cada caderno tem como foco o ensino de um gênero específico e, a cada edição do programa, novos gêneros são inseridos no processo.
                A noção de gênero tem a qualidade, como já teorizou o professor Schneuwly, também da Universidade de Genebra, de ser um mega-instrumento. A partir do gênero podemos aprender diversos modos de usar a linguagem e ter diversas capacidades de linguagem. Assim, como diz a professora Roxane Rojo, da Unicamp, não se trata apenas de ensinar o gênero, mas de pensar ‘no que ensinar por meio de um gênero’. Não é preciso, portanto, explorar todas as propriedades de um artigo de opinião, esgotando o tema, mas selecionar um foco de aprendizagem que pode ser, por exemplo, a capacidade de tomar uma posição ou refutar um argumento. Neste sentido, o programa consegue, através do procedimento das sequências didáticas, que se traduzem no material pelas diferentes oficinas de cada gênero, promover uma aprendizagem passo a passo em que o professor poderá dispender mais tempo para uma capacidade do que outra, conforme as necessidades e as possibilidades de sua turma.
                Daí, temos a noção de aprendizagem que é base para a orientação metodológica do programa. Ou seja, tentar saber o que o aluno já sabe sobre aquele gênero. Depois, trabalhar com um objetivo de aprendizagem através de diferentes configurações de trabalho, em dupla, em trabalho coletivo, que vai ao encontro do que Vygotsky preconiza como um trabalho pedagógico que atua na ZPD (Zona de Desenvolvimento Proximal), através da colaboração do par mais avançado. Em alguns momentos o próprio professor e, em outros, os colegas.
                Vale frisar que esta consideração das ideias de Vygotsky sobre aprendizagem se traduz em muitas ações dentro da sequência, seja para a leitura ou para a escrita, já que o propósito, ao fim da oficina de cada gênero, é uma produção individual do aluno naquele gênero estudado. Interessante lembrar de um simples exercício - me recordo da atividade nos cursos on line da Comunidade Virtual -, em que um personagem envia emails ao outro tentando ajudá-lo na compreensão do que seria o ensino a partir dos gêneros textuais. Desta forma, tal teoria da aprendizagem embasa todo o programa e não somente aquele material com que o aluno vai entrar em contato, mas sobretudo o material que o professor vai ter em sua formação – vivenciando na própria pele este processo.
                Assim, temos que a OLPEF, tomando o gênero como objeto de ensino-aprendizagem de língua materna, pode proporcionar ao professor, e consequentemente ao aluno, uma nova relação com a linguagem e com a língua portuguesa, tomando contato com a língua em uso e definindo O QUE ESTUDAR por meio dos diferentes textos em diferentes gêneros que se apresentarão para leitura e escrita. Outro ponto em que insisto é o COMO, É O FAZER PEDAGÓGICO, que considera o aluno detentor de um saber que precisa ser percebido e, a partir daí, aprimorado, refletido e ampliado. É a consideração da ZPD. E essa consideração – parece estranho dizer que HÁ ENSINO – ninguém aprende a ler só lendo ou a escrever só escrevendo. Ler e escrever – além do domínio do código – pode ser ENSINADO e APRENDIDO. No programa, isso se traduz nas sequências didáticas e nas oficinas.
Compreendo que toda mudança é de difícil aceitação e que estamos numa fase complicada do ensino de Língua Portuguesa. Uma fase de transformações que são culturais e que também mexem com nossas práticas, concepções, modelos e nos materiais didáticos. Mas, afirmo, com toda segurança e com base no pouco que já estudei sobre o tema e na minha experiência de 24 anos como docente, é que esta proposta é produtiva, positiva. Ela pode auxiliar a gerar grandes frutos e mudanças em nossas salas de aula.


Maria Alice Setubal*
Maurício Ernica**
Publicado no Estadao.edu

                "O fato de um livro aprovado pelo Ministério da Educação (MEC) afirmar que é legítimo, sim, usar modos de falar populares reavivou antigas polêmicas. Como de hábito, várias vozes se levantam, a maioria contrária à posição do livro, e com muita frequência se manifestam com tom carregado de paixões.
                Antes de tudo, antecipamos nosso ponto de vista: a escola deve assegurar aos alunos a aprendizagem da variante culta da língua portuguesa, que é a variante usada nos principais debates sobre as questões da vida pública, na produção científica e em grande parte de nossa produção cultural. No que diz respeito a esse objetivo, não se devem fazer concessões de espécie alguma.
Isso posto, cabe-nos dizer que o debate embola uma série de questões diferentes e seria produtivo se pudéssemos ter clareza sobre elas e discuti-las com alguma serenidade.
                Primeiro: somos, ainda hoje, culturalmente reféns de uma gramática normativa e de um ideal de correção linguística muito distanciados da norma culta falada e escrita efetivamente praticada. Para ficarmos com uma ilustração simples: de acordo com a gramática normativa e os manuais de redação, deveríamos usar sempre o verbo gostar com a preposição de. Uma pesquisa realizada pelo linguista Carlos Alberto Faraco, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), mostra, porém, que jornais de grande circulação e peças de publicidade rompem com essa regra, escrevendo, por exemplo, do jeito que você gosta e não do jeito de que você gosta. Esse é um exemplo simples, mas usual. Todos temos a lembrança de aulas de gramática que nos mostravam que falamos uma língua errada. Na verdade, somos reféns de uma gramática normativa anacrônica e de uma idealização do que seria o modo correto de falar e de escrever, que não reconhece a validade e a adequação sequer da nossa variante culta escrita, tal como praticada de fato.
                Segundo: não há uma língua portuguesa única, mas várias. A língua varia na história e nos grupos sociais. As variações não estão apenas no “sotaque” ou no vocabulário das regiões e grupos, estão também nas construções sintáticas. Muitos dizem os livro; há quem pergunte quer ficar aqui mais eu?. Os mineiros dizem estou apaixonado com, os cariocas, tu vai e, os paulistas que alguém aposentou (sem o se). São exemplos simples, mais uma vez. Não estamos falando dos desvios daquele que está aprendendo a língua e se arrisca em hipóteses equivocadas, mas sim de formas de longa duração e consagradas pelo uso. No confronto das variações, temos que o falar de uns é errado segundo as normas de outros. E aqui está um ponto importante: uma dessas variantes é a variante de prestígio, a variante usada pela imprensa, pela ciência, pelo Estado, por boa parte das artes; em suma, é a variante das práticas culturais letradas, a variante culta. A variante culta, mesmo não correspondendo exatamente à norma gramatical, torna-se medida do erro e do acerto das demais variantes. Ora, tomar o seu universo cultural como medida para avaliar a cultura do outro é... em linguagem simples, preconceito.
                Terceiro: o desenvolvimento das capacidades de pensamento e raciocínio não está ligado às variantes linguísticas. Bem verdade que a apropriação da língua é o que permite aos seres humanos o desenvolvimento das funções psicológicas. Contudo, isso pode ser feito em qualquer variante linguística. Em suma, é possível ser néscio e obtuso em linguagem culta e ser muito inteligente em uma variante popular, com pouco prestígio, e vice-versa. Aliás, filosofar em alemão, inglês, francês ou russo, por exemplo, só foi possível porque em um dado momento as “línguas bárbaras” foram tomadas pelos filósofos como línguas para a prática da cultura letrada, desbancando o monopólio do velho latim.
                Quarto: é importante que a escola reconheça a validade relativa das variantes linguísticas e, igualmente, a existência de uma variante culta. Para muitas crianças originárias dos diversos segmentos das camadas populares de nosso País, a língua da escola é uma língua estrangeira no sentido mais estrito do termo: é língua do outro. Ora, se essa variante, culta e prestigiosa, impõe-se como referência do falar certo, ela exerce, sim, sobre os falantes das outras variantes, uma forma de violência simbólica que nega a validade e a legitimidade do universo cultural dessas crianças e de suas famílias. O pacote só é vendido inteiro: negar a validade das variantes linguísticas é negar a diversidade cultural de nosso País e negar a cultura popular. Contudo, como afirmamos logo no início, é papel da escola ensinar e assegurar a aprendizagem da variante culta. Mas isso não precisa ser feito negando as demais. Pode ser feito, simplesmente, estimulando a existência de cidadãos capazes de falar múltiplas variantes, cidadãos “bilíngues” em sua própria língua.
                Quinto: a transposição didática dessas questões teóricas é importante, mas não é uma tarefa simples, nem suficiente. Trata-se de algo que deve ser feito com cuidado, sob o risco de aumentar os mal entendidos. O livro didático deve falar para o aluno e para o professor, frequentemente pessoas que têm nele sua principal fonte de formação e informação. A escrita didática, assim como todas as formas de divulgação, inclusive a jornalística, é necessariamente simplificadora. E aí está o coração do desafio. Deve-se ser teoricamente consistente, devem-se explicitar com clareza e sem dubiedades os objetivos didáticos, em linguagem simples e acessível a um público amplo, muito maior que o público leitor dos jornais de grande circulação. Deve-se tentar ao máximo evitar o risco de ser mal entendido – no caso, de “autorizar” ou “incentivar” a escola a não ensinar a variante culta ou, ao contrário, reforçar os preconceitos contra as variantes lingüísticas populares e os estigmas que pesam sobre os alunos de meios desfavorecidos. É necessário reconhecer, então, que qualquer livro didático, por melhor que seja, possui seus limites. Um deles reside na adequada formação daqueles que os utilizam.
                Por fim, cabe-nos reconhecer que as principais decisões sobre a qualidade da educação são de natureza política, mais que técnica. Envolvem disputas de poder sobre os aspectos de nossa cultura que julgamos legítimos e que queremos que sejam transmitidos às novas gerações. Em nosso caso, queremos um país culto e culturalmente diversificado, um país cujos cidadãos se apropriem das formas eruditas da cultura, mas que valorizem a riqueza de nossos legados culturais, inclusive aqueles que nos ligam de modo intenso e vivo ao rico e complexo universo da gente simples e da cultura inventiva de nosso povo."
*Presidente do conselho de administração do Cenpec                               ** Pesquisador do Cenpec













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