Menino de 9 anos é internado após
agressão em escola
Agência Estado
O
menino Marco Antônio, de 9 anos, foi agredido por cinco garotos da mesma faixa
etária dentro da sala de aula e na saída de uma Escola Estadual, anteontem,
numa cidade próxima à região de Ribeirão Preto (SP). Devido à agressão, ele foi
internado e passou por exames de tomografia e ressonância magnética em Ribeirão
Preto. Marco terá alta hospitalar amanhã e usará colar cervical por 15 dias.
Segundo
a mãe, de 27 anos, o filho sofre com as brincadeiras de colegas porque é gago.
Após a agressão na escola, ele não mencionou nada em casa. Dentro da sala de
aula (3ª série), ele foi atingido por um soco, um tapa e um golpe de mochila.
Na saída da escola, a inspetora o mandou sair pelos fundos, mas os agressores
perceberam e o cercaram, desferindo socos e chutes em seu corpo.
Na
manhã de ontem, Marco acordou com o pescoço imobilizado. A avó o levou à escola
e os cinco agressores foram mandados para casa pela direção. Revoltada, a mãe
quer processar a escola e ainda retirar os três filhos de lá — Marco é o mais
velho dos irmãos. A delegada Maria José Quaresma, da DDM, disse que cinco
garotos foram identificados e serão ouvidos nos próximos dias.
O
caso, registrado na DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), será investigado e
passado à Curadoria da Infância e da Juventude. A Secretaria Estadual da
Educação informou que foi aberta uma apuração preliminar para averiguar a
denúncia de agressão entre alguns alunos da escola. “Caso seja constatado que o
fato aconteceu dentro da escola, o Conselho Escolar vai definir as medidas
punitivas em relação aos estudantes, como, por exemplo, a transferência de
unidade”, disse a nota da Secretaria.
Agência
Estado, 18/9/2009. (Para uso neste Caderno, os nomes, assim como outras
informações que possam identificar os envolvidos, foram substituídos ou
suprimidos).
Senado libera
internet na eleição, mas limita debate
Fábio Zanini
Após
recuo do relator da nova Lei Eleitoral, Eduardo Azeredo (PSDB-MG), o Senado
aprovou ontem, em votação simbólica, a liberação da cobertura das campanhas
pela internet, mas com uma exceção relativa aos debates.
Apesar
de não serem concessão pública, sites e portais de internet terão de seguir as
regras estabelecidas para debates organizados por rádios ou TVs: ao menos dois
terços dos candidatos precisarão ser chamados, entre eles os pertencentes a
partidos com dez parlamentares no Congresso ou mais.
O
texto final aponta para duas direções distintas. Ao mesmo tempo em que
estabelece regra para os debates na internet, assegura, em outro trecho, que “é
livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha
eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet -, assegurado o
direito de resposta”.
Este
texto foi aceito por Azeredo no último momento, após intensa pressão de
diversos senadores. A versão inicial do tucano previa punições para sites que
expressassem favorecimento a algum candidato, mas sem definir o que seria isso,
abrindo brecha para censura.
A
matéria agora volta para a Câmara, onde ainda poderá ser alterada pelos
deputados. Ela tem que seguir depois para a sanção do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva e ser publicada até 2 de outubro para valer para a eleição do ano
que vem.
Em
razão da incoerência sobre a internet, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP)
votou contra o texto final. “Não tem sentido colocar restrições ao debate se a
internet foi liberada. É uma exigência descabida”, declarou o petista.
Azeredo,
por ser relator, teria poder de ajustar a incongruência na redação final, mas
não fará mudanças. “Está garantida a liberdade da internet, é o que importa.
Não há mais como mudar o mérito do texto.”
Outras
mudanças aprovadas ontem dizem respeito à realização de eleição direta sempre
que houver a cassação de mandatos de governadores e prefeitos pela Justiça
Eleitoral.
O
Senado aceitou incluir a regra no projeto de lei da reforma, rejeitando a
alternativa colocada: eleição indireta, por Assembleias e Câmaras Municipais,
do sucessor do titular do cargo que perder o mandato na metade final - ou seja,
a partir do terceiro ano.
Agora,
a eleição direta ocorrerá em qualquer momento do mandato, mesmo que faltem
poucos dias para sua conclusão. Por isso, segundo a Folha apurou, deve
haver nova mudança na Câmara dos Deputados.
Outras
mudanças foram a exigência de que sejam apresentados os currículos na hora de
registrar a candidatura, e a permissão para que os sites de partidos possam
continuar no ar até o dia da eleição.
Na
semana passada, uma emenda do senador Pedro Simon (PMDB-RS) colocou que
candidatos devem ter “reputação ilibada”, mas sem definir os critérios que
mediriam essa exigência.
Foram
rejeitadas duas emendas do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) que davam mais
transparência à prestação de contas eleitorais.
Uma
delas exigia a divulgação dos nomes dos doadores ainda durante a campanha.
Outra dava mais clareza à chamada “doação oculta”, determinando quais os
candidatos foram beneficiados por contribuições feitas por pessoas físicas ou
jurídicas direcionadas aos partidos.
Hoje,
a doação é feita ao partido, que a repassa ao candidato, perdendo-se o vínculo
direto entre doador e beneficiado. Também foi rejeitada emenda de Álvaro Dias
(PSDB-PR) que permitia a volta dos outdoors para campanhas majoritárias.
Foram
recusados a impressão de 2% dos votos eletrônicos e o voto em trânsito para
presidente, conforme havia sido incluído pela Câmara.
Folha
Online,
16/9/2009. Disponível
em<www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u624621.shtml>
Internet e eleições
Joaquim Falcão
Especial para a Folha de S. Paulo
Nas
últimas eleições, a Justiça não permitiu internet na campanha eleitoral. Agora,
o Senado permitiu. A Câmara dará a palavra final até o dia 3 de outubro. As
eleições nunca mais serão as mesmas. Por múltiplas razões. Primeiro, o eleitor
estará mais mobilizado e proativo.
Jornais,
revistas, rádio e televisão estabelecem comunicações de mão única. Deles para
os eleitores. A internet é comunicação de mão dupla. Ou tripla. Dos eleitores com
os candidatos, com os meios de comunicações e sobretudo entre si. Aliás, todos
entre si. E, como o projeto não estabeleceu qualquer restrição às redes sociais
— Orkut, Facebook, MySpace, UolK, Twitter —, nessas redes a campanha já
começou. Não é preciso o cidadão esperar convenções de partidos ou escolha de
candidatos.
Uma
consequência do cidadão mais proativo (sic) é que deverão aumentar as denúncias
infundadas contra candidatos e partidos, bem como as defesas apaixonadas.
Aumentarão as mentiras e os desmentidos. Todos ficarão mais expostos. Como a
difusão é imediata, podem chegar a milhares e milhões de eleitores, o dano ou
benefício é também imediato.
Para
os casos de injúria, calúnia e difamação haverá sempre o recurso da ida à
Justiça. Que será sempre insuficiente. Porque é sempre a posterior. Quem terá
que distinguir a mentira da verdade eletrônica será o próprio eleitor. A
disputa ocorrerá na própria internet.
De
blogs contra blogs. De site contra site. De rede contra rede. A internet é uma
arena. Um longo aprendizado da cidadania responsável está apenas começando. É
verdade que rádio e televisão atingem mais brasileiros do que a internet. E que
ainda é pequeno o uso da internet em casa. Mas o crescimento da internet é o
maior de todas as mídias. A tendência é crescente e inevitável. Em julho, o
número de usuários cresceu cerca de 10% em relação a junho. De 33 milhões para
mais de 36 milhões.
Sem
contar as lan houses. A liberação da internet terá
consequência de mão dupla: aumentará a participação dos cidadãos nas eleições e
ao mesmo tempo estimulará mais usuários no dia a dia da internet. Segundo, é
que o voto do eleitor jovem vai crescer em importância. Eles são quem mais usa
internet. Representam mais do que 20% dos eleitores.
A
internet deve estimular a inclusão do jovem na política. Seus valores e
interesses referentes, por exemplo, a sexo, família, ecologia e cultura são
diferentes. Os jovens são mais atingidos na oferta e redução de emprego.
Partidos e candidatos terão que ter propostas específicas para eles.
Terceiro,
o uso da internet como infraestrutura para o financiamento popular do candidato
e do partido também deve crescer. Não instantaneamente, é claro. Mas a internet
agiliza a doação individual eletrônica através de transações bancárias, contas
de telefone e cartões de créditos. São doações mais fáceis, rápidas, legais e
de maior controle pela Justiça.
Esse
foi o diferencial decisivo na campanha de Obama. Sua campanha custou US$ 744,9
milhões, dos quais US$ 500 milhões arrecadados via internet.
A
contribuição média foi de US$ 77 por cidadão. Ou seja, R$ 145. O peso relativo
das doações de campanha das empresas deve cair. Com microdoações pulverizadas,
os candidatos estarão menos dependentes de um grupo, ou daquela empreiteira.
Sem
falar que será difícil a Justiça controlar a interferência ilegal de sites
localizados em outros países. A internet é global. O risco, pequeno talvez, é
de exportar a campanha eleitoral, para sites globais onde a lei brasileira não
chega.
Até
agora o Senado manteve a liberdade mais ampla, a não ser para sites
empresariais, onde, em nome da imparcialidade, limitou a propaganda em sites de
pessoas jurídicas, que não sejam provedores de internet e de informações ou
sites de pesquisa, e em sites de órgãos governamentais. E regulou também o
acesso aos debates.
O
desafio maior da lei ao regular os meios de comunicação na campanha eleitoral é
justamente este: por um lado, manter a experiência brasileira de sucesso de
controlar a participação excessiva do poder econômico e do poder dos governos
nas campanhas. De outro, assegurar voto livre e liberdade de expressão a todos.
Folha de S. Paulo,
Brasil, 17/9/2009. Disponível em
<www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1709200913.htm>.
Joaquim Falcão é professor de direito.
Corrupção cultural ou organizada?
Renato Janine Ribeiro
Precisamos
evitar que a necessária indignação com as microcorrupções “culturais” nos leve
a ignorar a grande corrupção.
Ficamos
muito atentos, nos últimos anos, a um tipo de corrupção que é muito frequente
em nossa sociedade: o pequeno ato, que muitos praticam, de pedir um favor,
corromper um guarda ou, mesmo, violar a lei e o bem comum para obter uma
vantagem pessoal. Foi e é importante prestar atenção a essa responsabilidade
que temos, quase todos, pela corrupção política — por sinal, praticada por
gente eleita por nós.
Esclareço
que, por corrupção, não entendo sua definição legal, mas ética. Corrupção é o
que existe de mais antirrepublicano, isto é, mais contrário ao bem comum e à
coisa pública. Por isso, pertence à mesma família que trafegar pelo
acostamento, furar a fila, passar na frente dos outros. Às vezes é proibida por
lei, outras, não.
Mas,
aqui, o que conta é seu lado ético, não legal. Deputados brasileiros e
britânicos fizeram despesas legais, mas não éticas. É desse universo que trato.
O problema é que a corrupção “cultural”, pequena, disseminada — que mencionei
acima — não é a única que existe. Aliás, sua existência nos poderes públicos
tem sido devassada por inúmeras iniciativas da sociedade, do Ministério
Público, da Controladoria Geral da União (órgão do Executivo) e do Tribunal de
Contas da União (que serve ao Legislativo).
Chamei-a
de “corrupção cultural” pois expressa uma cultura forte em nosso país, que é a
busca do privilégio pessoal somada a uma relação com o outro permeada pelo
favor. É, sim, antirrepublicana. Dissolve ou impede a criação de laços
importantes. Mas não faz sistema, não faz estrutura.
Porque
há outra corrupção que, essa, sim, organiza-se sob a forma de complô para
pilhar os cofres públicos — e mal deixa rastros. A corrupção “cultural” é
visível para qualquer um. Suas pegadas são evidentes. Bastou colocar as contas
do governo na internet para saltarem aos olhos vários gastos indevidos, os
quais a mídia apontou no ano passado.
Mas
nem a tapioca de R$ 8 de um ministro nem o apartamento de um reitor — gastos
não republicanos — montam um complô. Não fazem parte de um sistema que vise a
desviar vultosas somas dos cofres públicos. Quem desvia essas grandes somas não
aparece, a não ser depois de investigações demoradas, que requerem talentos bem
aprimorados — da polícia, de auditores de crimes financeiros ou mesmo de
jornalistas muito especializados.
O
problema é que, ao darmos tanta atenção ao que é fácil de enxergar (a corrupção
“cultural”), acabamos esquecendo a enorme dimensão da corrupção estrutural,
estruturada ou, como eu a chamaria, organizada.
Ora,
podemos ter certeza de uma coisa: um grande corrupto não usa cartão corporativo
nem gasta dinheiro da Câmara com a faxineira. Para que vai se expor com
migalhas? Ele ataca somas enormes. E só pode ser pego com dificuldade.
Se
lembrarmos que Al Capone acabou na cadeia por ter fraudado o Imposto de Renda,
crime bem menor do que as chacinas que promoveu, é de imaginar que um
megacorrupto tome cuidado com suas contas, com os detalhes que possam levá-lo à
cadeia — e trate de esconder bem os caminhos que levam a seus negócios.
Penso
que devemos combater os dois tipos de corrupção. A corrupção enquanto cultura
nos desmoraliza como povo. Ela nos torna “blasé”. Faz-nos perder o empenho em
cultivar valores éticos. Porque a república é o regime por excelência da ética
na política: aquele que educa as pessoas para que prefiram o bem geral à
vantagem individual. Daí a importância dos exemplos, altamente pedagógicos.
Valorizar
o laço social exige o fim da corrupção cultural, e isso só se consegue pela
educação. Temos de fazer que as novas gerações sintam pela corrupção a mesma
ojeriza que uma formação ética nos faz sentir pelo crime em geral.
Mas
falar só na corrupção cultural acaba nos indignando com o pequeno criminoso e
poupando o macrocorrupto. Mesmo uma sociedade como a norte-americana, em que
corromper o fiscal da prefeitura é bem mais raro, teve há pouco um governo cujo
vice-presidente favoreceu, antieticamente, uma empresa de suas relações na
ocupação do Iraque.
A
corrupção secreta e organizada não é privilégio de país pobre, “atrasado”.
Porém, se pensarmos que corrupção mata — porque desvia dinheiro de hospitais,
de escolas, da segurança —, então a mais homicida é a corrupção estruturada.
Precisamos evitar que a necessária indignação com as microcorrupções
“culturais” nos leve a ignorar a grande corrupção. É mais difícil de descobrir.
Mas é ela que mata mais gente.
Folha de
S. Paulo,
28/6/2009.
Renato Janine Ribeiro, 59, é professor titular de ética e filosofia
política do Departamento de Filosofia da USP. É autor, entre outras obras, de República
(Publifolha. Coleção Folha Explica).
Projeto Vale-Cultura chega ao
Congresso até o final da semana
Época/Agência Brasil
Benefício será
voltado para trabalhadores, que receberão R$ 50 mensais para comprar ingressos
de espetáculos e de cinema, além de livros e DVDs
O
projeto que prevê a criação do Vale-Cultura chega ao Congresso Nacional ainda
nesta semana, afirmou o ministro da Cultura, Juca Ferreira. O projeto foi
assinado pelo presidente Lula no fim de julho e, segundo Ferreira, demorou para
ser enviado para votação devido à ausência da assinatura do ministro da
Fazenda, Guido Mantega, que estava viajando. A ideia do Vale-Cultura está sendo
discutida desde o fim de 2006.
O
benefício será voltado para trabalhadores com rendimento mensal de até cinco
salários mínimos. Por meio de um cartão magnético, similar ao Vale-Refeição, as
empresas poderão destinar ao funcionário o valor de R$ 50 mensais para comprar
ingressos de cinema, teatro e shows, além de livros, CDs e DVDs. Ferreira
afirmou que a ideia é de que o valor mensal seja “aprimorado” e possa chegar a
R$ 150.
Com
o Vale-Cultura, a previsão é de que R$ 17 bilhões sejam injetados na economia
cultural. “O circuito vai ficar bastante aquecido”, disse Ferreira. As empresas
não serão obrigadas a aderir — mas, segundo o ministro, “na cultura, nada deve
ser obrigatório”. Ferreira também disse que o projeto de lei é “atraente” e
que, uma vez aprovado, poderá haver pressão dos próprios funcionários para ter
direito ao benefício.
De
acordo com o ministério, apenas 13% da população brasileira têm acesso a
manifestações culturais. Em entrevista ao programa Bom Dia, Ministro, Juca
afirmou que o Vale-Cultura apresenta “efeitos colaterais positivos” e vai gerar
um banco de dados sobre a demanda cultural da população. Para o ministro o
projeto também “estimula a legalidade” ao possibilitar a compra de DVDs e CDs
originais.
Época/Agência Brasil,
13/08/2009. Disponível em <www.revistaepoca.globo.com/Revista/
Epoca/0EMI87688-15223,00.html>.
O que é essencial para todos?
Gustavo Barreto
“O
homem é essencialmente um ser de cultura”, argumenta o professor Denys Cuche,
da Universidade Paris V. A cultura é um campo do conhecimento humano que nos
permite pensar a diferença, o outro
e dar um fim às explicações naturalizantes dos comportamentos humanos. As
questões étnica, nacional e de gênero, por exemplo, não podem em hipótese
alguma ser observadas em seu “estado bruto”. É o caso da relação homem-mulher,
cujas implicações culturais são mais importantes do que as explicações
biológicas.
E
por que se faz importante fazer esta breve introdução, na questão da ideia do
Vale-Cultura, lançada pelo Governo Federal e atualmente em discussão com os
atores sociais da área? Porque urge que nossa legislação passe por uma
transformação, dado que a principal lei do setor está defasada (é de 1991) e é
insuficiente para os desafios atualmente expostos.
O
conceito de “cultura” é tão reivindicado quanto controverso. Ouvimos esta
palavra diariamente, para os mais diversos usos: cultura política, cultura
religiosa, cultura empresarial. Também serve para complexificar e ampliar um
debate sobre um tema difícil (“isso é cultural”), para finalizá-lo (“não tem
jeito, isso é cultural”) ou gerar preconceito contra um grupo social (“o povo
não tem cultura”). São múltiplos os usos.
Está
claro que incentivar as manifestações culturais de um povo é condição
indispensável para seu desenvolvimento. É certo que este instrumento deve
atingir um de seus principais objetivos: a desconcentração regional e a
democratização do acesso a produtos culturais. A simples injeção de R$ 600
milhões por mês no mercado cultural, podendo atingir até 12 milhões de
brasileiros, já é um grande benefício.
O
curioso na iniciativa do Governo, que já tramitava no Congresso desde 2006, é a
questão tardiamente (e fatalmente) gerada para reflexão: o que é essencial para
todos? Se o trabalhador possui o Vale-Transporte e o Vale-Alimentação, por que
não o Vale-Cultura? Este debate — e o debate é justamente este — gera reações
ainda mais curiosas.
A
mais risível é a que ataca a proposta como “dirigista”, afirmando que o tempo
do dirigismo cultural já acabou em todo o mundo.
Uma simplificação melancólica e uma inverdade: governos de países que
alcançaram bons índices de desenvolvimento humano investem muito mais na
cultura do que o Brasil. Os ataques têm nome: são os mesmos que falam em “alta
cultura” e compõem as velhas oligarquias deste setor, pois concentraram por
muito tempo a exclusividade dos “negócios” da cultura. Alguns chegam a duvidar
da “qualidade estética” dos produtos culturais a serem consumidos.
Estão
claros os inimigos deste discurso conservador: o trabalhador, que passa a ser
progressivamente um crítico de cultura, e as manifestações da cultura popular —
ora atacada, por exemplo, por meio da restrição à cultura do funk carioca.
A
aprovação do Vale-Cultura será um passo importante, dentro de uma longa
caminhada, para a inserção de milhões de brasileiros no universo privilegiado
da cultura local, regional e nacional.
Jornal do Brasil, 18/7/2009; site
jornalístico Fazendo Média (www.fazendomedia.com/?p=268), 26/7/2009.
Gustavo Barreto é produtor cultural no Rio de Janeiro e mestrando do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura na UFRJ.
Só há notícia se for muito ruim
Carlos Brickmann
Elio
Gaspari costuma dizer que, nas redações, a notícia chega devagarzinho, abre a
porta de leve, põe a cabeça para dentro e entra correndo para esconder-se. Se
alguém a notar, será imediatamente chutada para fora.
E,
se a notícia for boa, suas chances de sobrevivência são ainda menores. Notícia
que o pessoal gosta é corrupção, é escândalo, é miséria, é tudo aquilo que deu
errado. Nas ocasiões em que o Brasil dá certo, aí não é notícia (e não vale nem
a regra de que boa notícia é o inusitado). Lugar de notícia boa é a cesta do
lixo.
Jundiaí,
no interior de São Paulo, atingiu 100% no fornecimento de água tratada e chegou
muito perto disso no tratamento de esgotos (só não atingiu 100% por um problema
judicial). Notícias? Só nos jornais da região, e olhe lá. A capital de São
Paulo, onde o programa de água e esgotos caminha bem mas ainda está longe da
universalização, ignorou o tema. O Brasil, onde água tratada e esgoto são
coisas de gente rica, preferiu investigar se tem ministro comendo tapioca com
cartão corporativo (tema que até vale investigação, mas não pode substituir
outros assuntos de importância, que se referem à vida e à morte dos cidadãos).
São
Caetano do Sul, na Grande São Paulo, é um exemplo ainda mais claro de que as
boas notícias são desprezadas pelos meios de comunicação. De acordo com os
números da respeitadíssima Fundação Seade, o índice de mortalidade infantil de
São Caetano é o menor do país; equipara-se aos da Bélgica e do Japão, quatro mortes
por mil nascimentos. É índice que ocorre no Primeiro Mundo.
A
derrubada dos índices de mortalidade infantil não ocorre, em lugar nenhum,
apenas pela boa atenção à saúde: exige tempo, trabalho coordenado, que envolve
planejamento, engenharia (tratamento de esgotos e água), meio ambiente (plantio
de árvores, limpeza de rios e córregos), coleta de lixo, de preferência
seletiva, assistência social (há em São Caetano um programa tipo bolsa-família,
mais completo que o federal, mantido com recursos municipais), aleitamento
materno, cuidados com as gestantes, educação em sentido amplo, higiene,
empregos. E envolve, o que é raro, continuidade administrativa: não é porque um
prefeito é adversário do antecessor que deve abandonar seus planos. O atual
prefeito, José Auricchio, reeleito com 70% dos votos, tem na oposição boa parte
do grupo político de seu antecessor. E daí? Neste processo todo, a cidade de
150 mil habitantes atingiu o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do
país. E, fora da região do Grande ABC, o fato foi olimpicamente ignorado pelos
meios de comunicação.
Dizem
que Ribeirão Preto vai muito bem na área social (mas como encontrar dados, se
não há reportagens?). E, o que aparece às vezes na TV (mas rarissimamente na
imprensa escrita), a cidade se transformou em área de tecnologia de ponta no
uso do raio laser em auxílio a transplantes. Há belas experiências de
sustentabilidade ambiental no Rio Grande do Sul, há o hospital de referência no
tratamento de câncer de Barretos, há as experiências em Campinas da Unicamp em
energia alternativa e cirurgia para diabetes, há excelentes pesquisas em
Campina Grande, na Paraíba, há um belo trabalho da Embrapa e da Escola de
Agricultura Luiz de Queiroz, há a agricultura irrigada de ótima qualidade no
semiarido nordestino. E quem sabe, por ter sido informado pelos meios de
comunicação, que as hélices dos geradores de vento da Europa são, em grande
parte, fabricadas no Brasil?
Vale
matéria? De vez em quando, a TV mostra, em horários alternativos, em programas
especializados, alguns aspectos dessas experiências positivas. De muita coisa
este colunista tomou conhecimento ao integrar o júri do último Prêmio Esso de
Jornalismo, com belíssimas matérias nos jornais da região sobre os bons fatos
que também ocorrem.
Vale
matéria? Deveria valer. Mas, além da volúpia por más notícias, há um problema
extra, que assusta pauteiros e repórteres: o medo da patrulha. Fazer matéria a
favor pode dar a impressão de que há alguma coisa esquisita além da reportagem.
Mas é preciso vencer também este preconceito — ou ficaremos restritos ao
noticiário policial fingindo que é cobertura política.
Observatório da Imprensa. Coluna Boas Novas,
18/8/2009. Disponível em
<www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=5551CIR001>.
Cavaleiros da cana versus
mecanização
Mariane Cheli de Oliveira
O
lugar onde vivo é uma típica cidadezinha do interior do Paraná, com uma
população de apenas 4.275 habitantes. O formato do município de Tamboara é no
mínimo curioso, quase um quadrado perfeito emoldurando uma cidade em miniatura
com virtudes e problemas característicos de uma cidade pequena.
Em
nosso município e região a cana-de-açúcar é a principal fonte de trabalho; é
cortando cana que muitos trabalhadores sustentam suas famílias. Devido ao
serviço árduo e estafante, podemos chamá-los de cavaleiros da cana, pois
levantam de madrugada, vestem suas armaduras e saem para a luta com a
determinação de guerreiros.
Mas
ultimamente algo vem lhes tirando o sono: a provável mecanização da colheita de
cana. Penso que isso não deveria acontecer, pois é indiscutível que esse tipo
de colheita irá ocasionar o desemprego de muitos trabalhadores braçais.
Com
a implantação da mecanização, as usinas teriam mais lucros, pois, segundo dados
da Alcopar, enquanto um trabalhador colhe em média seis toneladas de cana por
dia, uma máquina pode colher seiscentas.
Segundo
dados da União dos Produtores de Bioenergia (UDOP), o Paraná ocupa o segundo
lugar na produção de cana-de-açúcar. Isso é algo que podemos perceber
claramente observando o aumento do plantio de cana em nossa área rural, que, se
por um lado, gera muitos empregos, por outro, causa problemas ambientais.
Nesse
sentido, os que são contrários ao processo de mecanização da colheita de
cana-de-açúcar argumentam que ele tiraria o emprego de muita gente, que em sua
maioria possui baixa escolaridade e não conseguiria outro emprego,
principalmente com carteira assinada, como o proporcionado pelo corte de cana.
Os
que argumentam a favor citam as questões ambientais, pois com o trabalho das
máquinas não haveria a necessidade das queimadas dos canaviais que poluem o ar,
matam animais e prejudicam a saúde humana, principalmente a dos próprios
cortadores de cana que entram em contato direto com a fuligem.
Na
minha opinião, os impactos negativos causados pelas queimadas são inegáveis,
mas não deveriam servir de justificativa para a substituição de trabalhadores
por máquinas. Vale lembrar que o corte da cana sem a prática da queimada não é
impossível, pois isso já ocorre quando há o corte de cana para a produção de
mudas.
Segundo
pesquisa feita pelo engenheiro ambiental Eleutério Languloski, não há motivos
que justifiquem técnica, ecológica ou socialmente as queimadas nos canaviais, a
não ser para maior rendimento da colheita.
Esse,
com certeza, é um impasse difícil de ser resolvido, mas acho que a solução está
com os donos de usinas, que poderiam abrir mão de suas margens de lucro,
acabando com a prática da queima de cana, pagando uma remuneração mais justa
aos seus trabalhadores que produziriam menos do que na situação atual e
fornecendo-lhes equipamentos de trabalho adequados para sua proteção, visto que
na colheita da cana os trabalhadores estariam mais sujeitos à picada de bichos
peçonhentos e cortes causados pelas folhas.
Assim,
o verde de nossos canaviais continuaria sendo a cor da esperança de nossos
cavaleiros, que veem no plantio da cana e na força de seu trabalho a garantia
de sustento de suas famílias e o progresso de nossa cidade.
Aluna
finalista da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro em
2008. 3o ano do Ensino Médio, da E. E. E. F. Doutor Duílio Trevisani
Beltrão, Tamboara- PR.
Brasileiros preferem floresta em pé
Ricardo Young
Brasileiros
preferem floresta em pé. Pelo menos é o que aponta pesquisa encomendada pela
ONG Amigos da Terra ao Instituto Datafolha. De acordo com levantamento, 94% dos
entrevistados querem o fim do desmatamento na Amazônia, mesmo que isso implique
brecar a produção agropecuária (e, possivelmente, com isso aumentar os preços
dos produtos derivados da atividade). A pesquisa denominada “A Visão da
População Brasileira sobre Desmatamento” levou em conta uma amostra de 2.055
pessoas, com margem de erro de 2%. Portanto, não é exagero concluir que já é
consenso nacional que parar o desmatamento é entendido como prioridade nacional
e não encontra restrição nem mesmo na possibilidade de aumento de preço por
diminuição da atividade agropecuária. O desmatamento zero é a opção da maioria,
independente de renda, escolaridade, gênero, idade e classificação econômica. A
porcentagem mínima de aprovação ao fim do desmatamento foi de 89%, entre
aqueles com mais de 50 anos, ou 90%, entre a classe D; a maior, 98%, entre as
pessoas abaixo de 50 anos nas classes A/B.
Outro
dado importante e que consta da pesquisa “A Visão da População Brasileira sobre
Certificação Florestal e Agropecuária”, também da Amigos da Terra/ Datafolha, é
que, se pudessem adquirir um produto florestal, 81% prefeririam adquirir um
produto certificado, mesmo que o preço seja maior.
Estes
estudos mostram que houve uma evolução positiva do conhecimento da população
brasileira a respeito dos temas da Amazônia, inclusive certificação, algo mais
complexo. Em 2006, quando foi feita a primeira sondagem a respeito dos temas,
1% dos entrevistados conhecia o FSC (Forest Stewardship Council), principal
selo de certificação para produtos florestais. Hoje, entre 20 e 22% conhecem a
organização e o selo.
Em
suma, baseando-se nestas pesquisas, podemos afirmar que a população brasileira
quer o fim do desmatamento para evitar os custos dos desastres ambientais.
Mostra-se favorável a leis mais rígidas para punir os infratores e está
disposta até mesmo a pagar mais pelos produtos.
Estes
dados me fazem refletir sobre o atual estágio da gestão socialmente responsável
no Brasil. Em que pesem as práticas avançadas de um grupo importante de
empresas, de um modo geral elas, empresas, estão fazendo menos do que a
sociedade delas espera. As práticas poderiam estar mais disseminadas pelas
cadeias produtivas e os impactos delas no mercado, mais perceptíveis. Evidente
que o Estado tem um importante papel a cumprir, na indução, na fiscalização e
na punição também. Mas o empresariado pode fazer a sua parte — que não é
pequena — sem aguardar pelo aparelho institucional. Como? Uma das maneiras é
comprometendo-se com iniciativas como os compromissos empresariais de controle
das cadeias da soja, da madeira e da carne. Estes compromissos foram
articulados pelo “Fórum Amazônia Sustentável” e o “Movimento Nossa São Paulo”,
durante o seminário “Conexões Sustentáveis: São Paulo — Amazônia”, realizado na
capital paulista em outubro do ano passado. O evento reuniu empresários,
representantes da sociedade civil e poder público para alertar sobre as
responsabilidades e o papel de cada setor na preservação da floresta amazônica.
Um estudo realizado pela ONG “Repórter Brasil” e pela “Papel Social Comunicação”
revelou que 90% dos produtos ilegais da Amazônia são comercializados na cidade
de São Paulo. Sem a participação efetiva das empresas, monitorando a cadeia de
valor e não comprando produtos de origem desconhecida, fica praticamente
impossível identificar e punir os infratores.
A
destruição da Amazônia está fortemente relacionada à economia de mercado.
Madeireiras, frigoríficos e agroindústrias se beneficiam desta tragédia
ambiental, porque podem comprar, a preços irrisórios, direto de fornecedores
que estão na linha de frente do desmatamento e do trabalho escravo.
Posteriormente, distribuem estes produtos a uma ampla rede de compradores.
Quando as empresas, principalmente as “âncoras” de importantes setores
econômicos, entram para valer nesta briga, o impacto positivo é quase imediato.
O melhor exemplo é o que vem acontecendo na cadeia da carne. As três maiores
redes de supermercados do país realizam um trabalho sério de monitoramento e
orientação de seus fornecedores de carne, num processo que chega até a ponta do
sistema, a fazenda. O trabalho começou em 2005, quando estas redes assinaram o
Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, articulado pelo Instituto
Ethos e OIT — Organização Internacional do Trabalho, entre outras entidades. Em
quase quatro anos de monitoramento e orientação, não só a carne que chega ao
consumidor tem origem garantida e mais qualidade, como os próprios produtores
aprenderam a conduzir seus negócios de maneira diferente. Comprovaram que
respeitar as leis trabalhistas, não desmatar e gerenciar os impactos
socioambientais traz mais oportunidades de ganhar dinheiro, pois passaram a
vender para outros clientes, inclusive fora do país.
O
que as demais empresas aguardam para começar a aderir a compromisso semelhante?
O consumidor brasileiro apoia e a cidadania agradece.
Carta Capital, 20/5/2009.
A ilegitimidade da lei antifumo
Aguinaldo Pavão
Seguindo
o mau exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro, o Estado do Paraná, ao que tudo
indica, também adotará a famigerada lei antifumo que, entre outras coisas,
proíbe a existência de fumódromos nos espaços coletivos e estabelece punições
ao proprietário que não coibir o fumo em seu estabelecimento. É preciso, pois,
perguntar: tem o Estado o direito de decidir a política tabagista que o dono de
um bar (por exemplo) deve adotar? Com base em que princípio pode uma tal
interferência ser justificada?
Alegam-se
basicamente duas razões em favor da lei antifumo.
1.
Os fumantes passivos seriam protegidos da agressão dos fumantes que, ao
expelirem a fumaça de seus cigarros, praticariam uma coerção ilícita sobre
aqueles que não desejam fumar (passivamente). Ser obrigado a absorver
substâncias expelidas por outrem parece uma boa razão para impedir a ação do
fumante ativo.
2.
Os gastos públicos com a saúde diminuiriam, pois a lei produziria a redução do
consumo de cigarros e a consequente redução das doenças associadas ao
tabagismo. Essa segunda razão procuraria passar a seguinte ideia. Uma vez que é
a sociedade quem acabava pagando a conta das pessoas que não cuidam de sua
saúde, deveria então o Estado estabelecer leis para que a saúde se tornasse uma
preocupação consequente dos indivíduos.
Essas
razões, contudo, não são boas. A primeira razão pode ser facilmente contestada.
A lei somente se justificaria se seu escopo se restringisse a locais cuja
propriedade é estatal, como repartições públicas. Não se pode confundir um
recinto coletivo com um espaço estatal. Um recinto coletivo, como um bar,
continua sendo uma propriedade privada. Ora, nesse caso, o argumento em favor
da lei é inválido. A lei representa uma clara agressão ao direito à
propriedade. Com efeito, a lei nega ao proprietário de um estabelecimento
privado a liberdade de determinar a política tabagista que achar conveniente
para o seu negócio. Ademais, ninguém é obrigado a entrar num bar em que fumar é
permitido e tampouco existe um direito individual de entrar num determinado
bar. Se alguém entra num bar em que o dono permite o fumo, a pessoa não tem
qualquer direito de reclamar (juridicamente).
A
segunda razão, sobre os gastos públicos com a saúde, não é boa. Se é descabido
pensar em leis punitivas aos diabéticos refratários às suas devidas dietas
alimentares, igualmente é descabido pensar em leis punitivas aos fumantes. Por
acaso seria desejável uma lei contra os diabéticos que negligenciam as
prescrições de seus endocrinologistas? Não só não seria desejável, como seria
ilegítima, pois representaria uma compreensão segundo a qual os indivíduos não
são responsáveis por suas vidas. Seria ilegítima, pois estaria baseada numa
visão segundo a qual o Estado é detentor de um conhecimento privilegiado sobre
o que é bom ou mau para a vida de uma pessoa. Ora, preferir o prazer à saúde
não é um ato insano e, mesmo que fosse, essa insanidade seria prejudicial
apenas ao indivíduo. Os cuidados que uma pessoa tem com sua saúde são problemas
dela e não justificam qualquer interferência do Estado. Ações de um indivíduo
que dizem respeito somente a ele não carregam consigo nenhuma ilicitude.
Sobre
gastos públicos com a saúde, é preciso ainda dizer que, se um indivíduo (que
não seja hipossuficiente) fuma e contrai doenças pulmonares, é esse indivíduo
responsável pela sua saúde. Ele tem de pagar com o dinheiro do seu bolso o seu
tratamento. Quem poderia justificar moralmente que um outro indivíduo devesse
assumir as consequências pela ação de um terceiro? Ou seja, se uma pessoa é
negligente com sua saúde, é dela a responsabilidade por tal negligência. Por
que o trabalho de um não fumante deveria pagar os custos com o tratamento de
saúde de um fumante? Não vejo nenhuma razão para isso, a não ser a consideração
de que os indivíduos não são responsáveis, que as pessoas são apenas em
aparência adultas e livres, sendo, no fundo, crianças que precisam da tutela
alheia.
Folha de Londrina, 6/9/2009.
Fumante não é excluído. É vítima
Jussara Fiterman
Muito
me surpreendeu o artigo publicado na edição de 14 de outubro, de autoria de um
estudante de Jornalismo que compara a legislação antifumo ao nazismo,
considerando-a um ataque à privacidade humana. Esta comparação demonstra um
completo desconhecimento do que foi o Holocausto e das atrocidades infligidas
pelos nazistas. Além disto, em poucas linhas o jovem estudante vai contra
pesquisadores, cientistas, médicos e cidadãos do mundo inteiro que lutam incessantemente
para evitar as mais de 5 milhões de mortes ao ano relacionadas ao tabagismo.
Número este que deve crescer para 8 milhões em 2030, de acordo com a
Organização Mundial da Saúde.
Ao
contrário do que afirma o artigo, os fumantes têm, sim, sua privacidade
preservada. Lamentavelmente para eles, têm o direito de consumir o único
produto legal que causa a morte da metade de seus usuários regulares. Para
isso, só precisam respeitar o mesmo direito à privacidade dos não fumantes, não
impondo a eles que respirem as mesmas substâncias que optam por inalar, e que
em alguns casos saem da ponta do cigarro em concentrações ainda maiores.
A
lei, no entanto, vai além: busca proteger este indivíduo. Para se ter uma
ideia, na Itália, em 2005, um ano após o banimento do tabaco de locais
públicos, um estudo revelou que a frequência do tabagismo caiu 4% nos homens,
as vendas de cigarros diminuíram 5,5% e o número de infartos foi reduzido em
11% nas pessoas com idade entre 35 e 64 anos.
Somente
este último dado, se transportado para a realidade no Brasil, equivaleria a 5
mil casos de infarto do miocárdio evitados em um ano. E se nenhum desses dados
pode convencer o jovem autor do artigo de que os malefícios do cigarro não são
apenas alegações, mas resultados de pesquisas, que tal saber que 90% dos
pacientes com câncer no pulmão são fumantes?
Por
fim, às vésperas do Dia do Médico, em 18 de outubro, gostaria de parabenizar os
quase 300 mil profissionais brasileiros destacando um estudo realizado em 2005,
por importante instituto de pesquisa. “Confiança nas Instituições” apresentou
os médicos com um índice de 81% de confiabilidade pela população, superando
Igreja Católica (71%) e Forças Armadas (69%), além de jornais, rádios,
televisão, engenheiros, publicitários, advogados e tantos outros igualmente
importantes para o desenvolvimento da nação. Portanto, antes de conferir aos
médicos uma “habitual incapacidade de curar doenças”, como faz o caro
estudante, aconselho-o a informar-se, ler, pesquisar e atualizar-se.
Nossa
posição não é contra o fumante — para nós, uma vítima fisgada ainda na
juventude pela indústria do tabaco em suas ardilosas, agressivas e enganosas
propagandas —, mas contra o tabaco, pois também conhecemos a fundo os danos que
provocam nos pulmões de suas vítimas, muitas das quais assistimos.
Ao
suposto direito individual “para fumar” que postulam algumas organizações, há
em contraposição um direito fundamental de “não fumar”, que apenas se manifesta
no âmbito das liberdades reais quando o Estado intervém no domínio econômico,
para restringir o nocivo efeito da publicidade e da influência da indústria
sobre o indivíduo.
A
saúde é nosso bem mais precioso e, para nós, médicos, é também um objetivo de
vida, de luta e superação.
Zero Hora, 18/10/2009.
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